A suspensão das atividades após o fim do expediente de trabalho, sem responder e-mails ou recados via WhatsApp, tem ganhado força entre os profissionais brasileiros.
Um levantamento feito pela empresa DataLawyer aponta um crescimento nos processos trabalhistas que citam termos como “direito à desconexão”, “desconexão do trabalho” ou “desconectar do trabalho”. Foram 2,6 mil ações sobre o tema em 2022, ante 1,3 mil em 2018, um aumento de 100,6%
“O direito à ‘desconexão digital’ é uma garantia da preservação da intimidade, dignidade e integridade física e psíquica do funcionário”, explica a advogada especializada em direito do trabalho do escritório Morad Advocacia Empresarial, Fabiana Trovó de Paula. “Trata-se do direito do empregado de não precisar responder a e-mails, mensagens e telefonemas após encerrar a jornada, exceto em casos excepcionais.”
De acordo com Paula, o distanciamento social obrigatório decorrente da crise de Covid-19 contribuiu para o avanço das ações judiciais a partir do segundo semestre de 2020. Antes disso não existia uma cultura empresarial abrangente sobre o que podia ser feito ou não no home office.
“A pandemia forçou as empresas a utilizarem mais esse modelo de trabalho e, com isso, os reflexos e prejuízos oriundos do excesso de atividades após o encerramento das tarefas estão surgindo agora e sendo reparados judicialmente”, diz.
Direito à desconexão
Segundo a advogada não há, no Brasil, uma legislação específica sobre o assunto, mas a CLT, quando trata da produção remota, cita que “não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego”.
Mesmo assim, diz Paula, não há a necessidade de aplicar ou criar uma nova lei sobre o tema porque o direito à desconexão está enraizado nas garantias fundamentais à saúde e ao lazer, amparadas pela Constituição. “O trabalho é considerado o meio para promover a subsistência e satisfazer necessidades e anseios pessoais, sem prejudicar o repouso e o convívio familiar e social”, afirma.
A especialista lembra que outros países têm avançado na proteção legal dos funcionários depois do final do batente. A França aprovou uma lei em 2017 que obriga empresas com mais de 50 empregados a especificar os horários em que não é preciso ler ou responder e-mails e mensagens. Em 2021, Portugal adotou uma medida para que os empregadores se abstenham de contatar o trabalhador no período de descanso, exceto em situações de força maior. No ano passado, a Bélgica seguiu o mesmo caminho, a fim de blindar o funcionalismo público.
Ações trabalhistas
Diante da escalada de reclamações e dos prejuízos a que as organizações estão sujeitas – a DataLawyer estima que a questão já levou 23,7 mil ações à Justiça do Trabalho desde 2014, com o valor total das causas alcançando R$ 5,6 bilhões, sendo boa parte para pagamento de horas extras. A advogada recomenda uma maior atenção das chefias com os limites dos expedientes.
“É fundamental que as diretorias apliquem a legislação no que diz respeito à carga horária e períodos de descanso, e zelem pela saúde física e mental dos empregados”, diz Paula.
De acordo com ela, quando a necessidade de desconexão do trabalhador é ignorada, a empresa fica predisposta a ser acionada na Justiça.
Com informações do Valor Econômico