No começo de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os acordos e as convenções coletivas que limitam ou suprimem direitos trabalhistas são válidos, desde que não incluam nas negociações as garantias previstas na Constituição.
O Supremo reconheceu a validade das normas coletivas que reduzem direitos trabalhistas após questionamento sobre se o acordo coletivo poderia ou não desconsiderar da jornada o tempo de deslocamento até o local de trabalho.
A decisão tem repercussão geral, ou seja, terá de ser seguida pelas instâncias inferiores do Judiciário.
Os tribunais aguardavam a definição do STF para as ações trabalhistas que tratavam de redução de direitos não previstos na Constituição por meio de acordos coletivos. Essa indefinição colocava em jogo a prevalência do negociado sobre o legislado, uma das premissas da reforma trabalhista de 2017.
Entre as mudanças trazidas pela reforma à CLT está a prevalência da negociação entre empresas e trabalhadores sobre a lei em pontos como:
- parcelamento das férias
- flexibilização da jornada
- participação nos lucros e resultados
- intervalo
- trajeto até o trabalho fora da jornada
- banco de horas
- trabalho remoto.
No entanto, benefícios como FGTS, salário mínimo, 13º salário, seguro-desemprego e licença-maternidade não podem entrar na negociação coletiva por estarem na Constituição.
Para Eliane Ribeiro Gago, sócia responsável pela área trabalhista no escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, o STF reconheceu a prevalência da negociação frente à legislação, dando autonomia para as partes na definição das condições de trabalho, desde que resguardados os limites previstos nos artigos 611-A e 611-B da CLT (leia mais abaixo).
“O acordo e a convenção coletiva de trabalho são instrumentos essenciais para regular as relações de trabalho de acordo com as peculiaridades de cada segmento, estabelecendo direitos, obrigações e diretrizes complementares às cláusulas do contrato de trabalhos”, explica.
O que pode ser negociado
Eliane ressalta que as partes envolvidas na negociação coletiva (empresa, empregados e sindicatos) deverão observar o que prevê o artigo 611-A, que permite a prevalência da norma coletiva sobre a lei nos seguintes direitos:
- pacto quanto à jornada de trabalho
- banco de horas anual
- intervalo intrajornada (limite mínimo de 30 minutos em jornadas acima de 6 horas)
- plano de cargos e salários ou cargos de confiança
- regulamento empresarial
- representante dos trabalhadores no local de trabalho
- teletrabalho, regime de sobreaviso e trabalho intermitente
- remuneração por produtividade e gorjetas
- modalidade de registro de jornada de trabalho
- troca do dia de feriado
- enquadramento do grau de insalubridade
- prorrogação de jornada em ambientes insalubres
- prêmios de incentivo
- participação nos lucros e resultados da empresa
O que não pode ser negociado
Por outro lado, os direitos previstos no artigo 611-B não podem ser tratados em convenções ou acordos coletivos de trabalho, segundo Ricardo Calcini, professor da pós-graduação da FMU e especialista nas relações trabalhistas e sindicais.
São direitos previstos na Constitucional Federal que foram ressaltados no artigo incluído na CLT pela reforma trabalhista que não podem ser objetos de negociação coletiva de trabalho entre empresas e sindicatos. Entre eles estão:
- anotações na carteira de trabalho
- seguro-desemprego
- FGTS (depósito e multa)
- salário mínimo
- 13º salário
- remuneração do trabalho noturno
- proteção do salário na forma da lei
- salário-família
- repouso semanal remunerado
- adicional de horas extras de 50%
- número de dias de férias
- férias anuais remuneradas com 1/3
- licença-maternidade e paternidade
- proteção do mercado de trabalho da mulher
- aviso prévio proporcional
- normas de saúde, higiene e segurança do trabalho
- adicional de remuneração para atividades penosas, insalubres e perigosas
50 mil processos à espera de definição
De acordo com Beatriz Horbach, assessora jurídica no gabinete do ministro do STF Gilmar Mendes, 50 mil processos estavam aguardando esse julgamento e agora terão uma solução final com a pacificação do entendimento.
“O que se espera é que haja uma diminuição da judicialização do tema, mas isso não fecha o acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho. Se ele precisar, deve ir à Justiça em relação aos acordos coletivos, em caso de haver ou não ofensa ao que foi decidido pelo Supremo”, ressalta.
Para Eliane, com a definição pelo Supremo, o juiz somente poderá analisar os requisitos de validade do negócio jurídico, ou seja, se o instrumento normativo observa as condições de validade (se foi celebrado por escrito, prazo de vigência, se houve a publicidade do instrumento) e se o objeto é ilícito (hipóteses previstas no artigo 611-B da CLT).
“Nesse sentido, espera-se que a Justiça do Trabalho respeite a autonomia das partes e não adentre mais na análise das normas pactuadas que versem sobre as condições de trabalho, a exemplo daquelas que fixam jornada de trabalho diferenciada para certa categoria profissional ou tratem sobre a forma de proceder o desconto salarial dos trabalhadores”, diz.