No dia 5 de abril, Paulo França Braga, da Empório Stok, colocou a plaquinha “Admite-se vendedora” em suas duas lojas especializadas em calçados femininos, em São Paulo.
Um mês depois, nenhum currículo foi entregue nos dois endereços. O comerciante ficou surpreso, até porque o Brasil possui mais de 12 milhões de desempregados.
Há cinco meses, Fábio Braga, dono da Parruci, loja de calçados localizada em Perdizes, tenta preencher, sem sucesso, duas vagas, uma de vendedora e outra para cuidar de e-commerce.
Com 34 lojas espalhadas pelo país, a rede MOB, de moda feminina, possui 12 vagas abertas. Ela emprega cerca de 180 pessoas e tem gerente que está há mais de 25 anos na empresa.
“Mão de obra está muito complicada no comércio em todas as regiões”, afirma Ângelo Campos, sócio-proprietário da empresa.
A situação se repete em vários setores do varejo. Depoimentos de lojistas em grupos de WhatsApp falam em “missão impossível” quando o assunto é contratar vendedores.
Comerciantes informam que tentam preencher vagas abertas desde janeiro. O desafio é ainda maior quando a meta é encontrar vendedores classificados como “muito bons”.
ALTA ROTATIVIDADE
No mundo do varejo, reter vendedores sempre foi um problema para os donos de lojas. Esses profissionais trocam facilmente de emprego e raras vezes “vestem a camisa” da empresa.
A alta rotatividade no setor é histórica e constantemente vira tema de discussão entre representantes de sindicatos de patrões e de empregados.
Lojistas costumam dizer que vendedores, geralmente, são aqueles que não conseguem achar trabalho em outra profissão e optam pela função para pagar os estudos e ou as contas.
O fato é que a pandemia do novo coronavírus piorou enormemente este cenário, de acordo com lojistas e consultores de varejo ouvidos pelo Diário do Comércio.
O home office abriu mercados de trabalho capazes de serem executados por meio de uma tela de computador, dizem eles, tornando ainda mais difícil encontrar vendedores.
Se é possível receber cerca de R$ 1.300 por mês, que é a média salarial do comerciário no país, ficando em casa, por que sair para cumprir uma jornada diária de seis a oito horas?
“Hoje, cursos em faculdades privadas estão mais populares. Muitos jovens conseguem estudar, além do avanço do home office”, afirma Braga, dono da Parruci.
“O pessoal quer ficar em casa. O brasileiro não tem mais a ganância de ganhar R$ 100 a mais para comprar um relógio. O mínimo necessário para viver já está bom”, diz Braga, da Stok.
CAPITAL-TRABALHO
Ricardo Patah, presidente do Sindicato dos Comerciários de São Paulo e da UGT (União Geral dos Trabalhadores), diz que a pandemia potencializou mudanças na relação capital-trabalho.
Caixas sem a necessidade de caixas (pessoas para registrar as compras), home office, aplicativos em celulares, plataformas de vendas, afirma ele, impulsionaram o trabalho híbrido.
“Muitos preferem trabalhar no comércio virtual do que ir presencialmente em uma loja. Até porque, em casa, eles não têm custo com transporte e alimentação”, diz Patah.
O comércio, de acordo com ele, foi extremamente judiado com a pandemia e este é mais um motivo de os trabalhadores darem preferência para empregos de menor risco.
As grandes redes têm tido mais sorte, de acordo com lojistas. “A gente contrata, treina o funcionário e depois uma loja maior tira ele gente”, diz Campos.
Recentemente, de acordo com ele, a Renner contratou duas estilistas da MOB por um salário maior. “Eles oferecem mais do que podemos pagar.”
MUTIRÃO DO EMPREGO
Para ajudar o lojista a preencher vagas abertas e os trabalhadores que precisam de emprego, o Sindicato dos Comerciários de São Paulo realiza neste mês a 7ª edição do Mutirão do Emprego.
Na semana passada, representantes do sindicato e de cerca de 40 empresas do comércio se reuniram, número que deve chegar a 150, com o propósito de ofertar vagas.
Durante uma semana, provavelmente a partir do próximo dia 20, a estrutura do prédio do sindicato, localizado no Vale do Anhangabaú, estará disponível para a seleção dos candidatos.
De acordo com Patah, cerca de 6 mil vagas deverão ser oferecidas neste ano em São Paulo, número que chegou a 10 mil há quatro anos. Enormes filas deverão ser formadas.
Empresas de varejo pequenas, médias e grandes devem participar do evento, diz Patah, com vagas de R$ 1.600 até R$ 10 mil, registro em carteira e outros benefícios.
LIDERANÇA E PROPÓSITO
Para Edmour Saiani, consultor de varejo, os varejistas ainda querem recrutar pessoas novas com recursos velhos.
É exatamente por isso que enfrentam tanta dificuldade para achar vendedores.
“Os meus clientes dizem que os novos candidatos têm nível alto de exigências, querem plano de saúde, saber se a empresa tem propósito, querem trabalhar em um lugar que faça sentido.”
Essa situação vivida pelos comerciantes só deve melhorar, diz ele, quando o lojista merecer.
Isso significa ter liderança, oferecer bom ambiente de trabalho, salário na média de mercado, no mínimo, com proposta de desenvolver pessoas e mostrar novidades constantemente.
Um lojista que é amigo de uma dona de escola, diz ele, pode oferecer bolsa de estudo para um filho de uma funcionária ou ainda exames clínicos mais baratos em um laboratório próximo.
“O empresário precisa, no mínimo, fazer algo para a equipe, e por que não para a comunidade e para o mundo”, afirma.
Para Saiani, os mutirões de emprego são boas iniciativas. “Se garimpar bem, os lojistas vão achar gente boa, mas precisa realmente merecer para reter o vendedor.”